quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Vigésimo andar



Marcava meia-noite e dois no relógio, ele estava debruçado em um dos espaços de sua cozinha estreita a espera dos duzentos mililitros de leite esquentarem. Era mais uma noite, não havia nada de diferente, a rotina fez seu papel. Mas ele sentiu algo, era possível notar, quando repentinamente ele olhou para janela – fechada pela noite fria – mudou completamente sua fisionomia, era uma dor maior que um punhal cravado no peito, ele analisava seu reflexo no vidro unido da grande cidade. O fez chorar. Num surto desastrado correu pela cozinha em direção a sala de estar, buscando um olhar, buscando algo a mudar, puxou a maçaneta da porta com força para arrancar, a dor só aumentou quando com o abrir da porta, em agudo, o chão veio gritar. Desesperadamente, entre degraus e corrimãos ele passava a subir e desequilibrar, era algo que doía, era mais forte que uma vida. Através da pressa e dos olhares vibrantes deixou claro sua meta: o vigésimo andar. Desde o som da porta nenhum outro era possível escutar, ele corria descalço e tropeçava com cuidado peculiar, não sou capaz de descrever, era desespero com ansiedade no olhar, dor na alma e um coração clamando parar.
Num vento frio de um terraço escuro parou, a cidade brilhava, rodeou a si mesmo durante vinte e dois segundos e devagar ele andou até onde o chão ia se curvar. Seus olhos, ainda vibrantes, se fixaram em seus pés após uns segundos sem olhar, entre seus dedos do pé viu pedestres passar. Duas putas, um casal, uma família. O respirar cessou quando com desequilíbrio desistiu do saltar.
Correu maratonamente, deslizou entre os degraus, bateu sua porta, chutou um abajur, derrubou três talheres e um copo; apagou o fogo quando o leite ia derramar. Sentou-se no chão até o leite esfriar.
Não há suicídio capaz de matar alma já antes tão morta. Permaneça a vagar!


Wes B. - 2010

3 comentários:

Adilson Jr. disse...

O suicídio é apenas uma alternativa para sanar o tédio, nossa condição pós-moderna...
E, mais do que coragem para matar a alma, é entender que o suicídio não deve ser romântico ou heróico e não deve ter motivos. Não queremos nenhum mártir.
Bem, pelo menos, não até meu leite esfriar...

bruniuhhh disse...

-eu sinto esse alma morta. Acho q sinto. sim.

Via do Engenho disse...

Talvez
difusamente
compreenda o suicídio como
um
ato
desesperadamente único momentâneo
um
único
e
impusivo
ato
se os segudos durassem
o dobro do que duram
quantos desceriam as escadas novamente?

''(...)Ninguém quer confissões aqui.
É mesmo melhor continuar escrevendo
essas frases curtas, que assim amontoadas, dão um ar de coisa, coisa pensada,
e nem é, sabe? nem é importante...
Só um pouquinho importante,
um pouquinho,
como se ela bebesse um copo de uísque
e fumasse um marlboro e mandasse uns 3 tomarem no cu,
é mais ou menos isso,
isso aqui,
que não pretende ser confissão, nem lembrança,
nem emocionante, nem inteligente, nem valerá a página
que será impressa.
Tem a premência de salvar, mas não é uma bóia, não provoca epifânias, e por isso nem é inspiração.
Não provoca nada.
Ocupa. Aqui todo mundo precisa estar ocupado,
quando dá essa vontade louca de morrer, é bom fingir ser um poeta. É. É melhor continuar escrevendo.
Pronto. Ela já não quer mais se matar.
Por enquanto acredita, acredita mesmo,
ser indispensável.''

(Fernanda Young - Dores do Amor Romântico)

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